SP gastará R$ 35 mi com canhão de água e blindados antiprotesto
Blindado com canhão poderá disparar água, gás lacrimogêneo e tinta a até 60 metros
As ações da Polícia Militar do Estado de São Paulo no controle de
manifestações vão contar com 14 veículos blindados, entre eles quatro
caminhões equipados com canhões de água para dispersar multidões. O
processo de licitação internacional, que foi aberto em dezembro e está
em andamento, estima um gasto de até US$ 15 milhões com a frota, o
equivalente a cerca de R$ 35 milhões.
Segundo a PM, cada veículo
com jato de água deverá custar US$ 808.476 (R$ 1,8 milhão). Com
capacidade para atingir pessoas que estejam a até 60 metros de
distância, o canhão permitirá combinações de água com gás lacrimogêneo e
tinta, que poderá ajudar na identificação posterior de manifestantes.
Além desses veículos, foram licitados seis blindados de grande porte
para até 24 policiais (US$ 1,5 milhão ou R$ 3,6 milhões cada um), que
também serão destinados ao "controle de distúrbios civis", e quatro
veículos de porte médio para transportar de 8 a 12 PMs em "ações táticas
e operações especiais" (US$ 595.719 ou R$ 1,3 milhão cada um).
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Jato de água é usado para reprimir protestos pelo mundo31 fotos
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1º.jun.2013
- Polícia dispara jato de água em manifestante que protestava contra a
demolição do parque Taksim Gezi, em Istambul, na Turquia Murad Sezer/Reuters
"Distúrbio civil é quando há quebra da ordem. Por exemplo, quando
colocam fogo em carro ou na via pública, quando destroem o patrimônio
público ou privado", disse o capitão Sérgio Marques, porta-voz da PM.
Segundo ele, todos os 14 blindados poderão ser usados no controle de
protestos.
"No deslocamento de um ponto a outro, o policial da tropa de choque vai
estar protegido de pedrada, coquetel molotov. O intuito maior é
proteger as pessoas, PMs e cidadãos, desde que não seja anônimo nem
violento. A partir do momento em que há quebra da ordem pública, são
usados os meios necessários para que a ordem seja restabelecida."
Para o cientista político Guaracy Mingardi, analista criminal e membro
do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a compra dos blindados é "um
exagero que tem a ver com a mentalidade militar". Segundo ele, o que
acontece no Brasil não é distúrbio civil.
"Temos, sim, bagunça e
quebra-quebra, mas não temos distúrbios civis. O que está acontecendo
na Ucrânia e na Venezuela é distúrbio civil. E o que acontece no Brasil
pode acabar virando um distúrbio civil se nós apelarmos para a
violência. O uso da força não adianta", afirmou o analista.
Segundo Mingardi, a PM não está sabendo identificar manifestantes não
pacíficos e erra ao tratar todos da mesma forma. "A função da polícia é
identificar o criminoso e indiciá-lo. Esse trabalho está sendo feito,
mas de forma lenta, os protestos começaram há nove meses. Isso mostra
que estão mais preocupados com a manutenção da ordem do que com o
combate à criminalidade. A PM precisa parar de pensar de forma
militarizada e começar a pensar como polícia, ou seja, punir quem é
criminoso. Vivemos em uma democracia e todos têm o direito de se
manifestar."
O coronel da reserva da PM José Vicente da Silva,
ex-secretário nacional de segurança, defende a compra dos blindados. Ele
afirma que a manutenção da democracia depende da manutenção da ordem.
"Todos precisam cumprir a lei. O Estado tem permissão para usar a força
porque o uso da força é necessário para a defesa da democracia", disse.
De acordo com Silva, o uso de instrumentos como o canhão de água
"retarda o uso eventual de armas letais". "Do revólver para baixo tudo é
permitido, desde que restrito às condições técnicas e legais que a
polícia precisa atender. Esses veículos evitam o uso de balas de
borracha, por exemplo. São muito eficientes, ajudam a dissolver a
multidão sem que haja combate corpo a corpo, e são usados no mundo
inteiro. O importante é que se respeite a escala gradual de força",
afirmou o coronel, que ministra cursos de estratégia policial para a PM.
O processo de compra dos blindados foi acelerado após as manifestações
de junho, mas a PM afirma que essa é uma necessidade antiga. "É uma
demanda anterior aos protestos de junho, mas o processo é lento. Já
havia o interesse da PM em adquirir esses veículos, pela própria
segurança do efetivo e também pelo uso de métodos menos letais", disse o
porta-voz Marques.
Copa do Mundo
A ideia é que os 14
veículos estejam à disposição da corporação durante a Copa do Mundo, em
junho, quando protestos contra a realização do mundial deverão tomar as
ruas, mas o processo pode não ter sido finalizado até lá. Isso porque a
empresa vencedora da licitação terá até 210 dias para entregar os
veículos, contados a partir da data da assinatura do contrato. "Não
temos como acelerar o processo e não temos como fazer previsão, porque
trata-se de um pregão internacional", afirmou o capitão Marques.
Para Esther Solano Gallego, professora de relações internacionais da
Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e pesquisadora do movimento
black bloc, a aquisição dos blindados, "praticamente um instrumento de
guerra", é preocupante, pois revela falta de disposição para o diálogo e
contribui para o aumento da tensão entre as partes.
"O clima de
violência está aumentando dos dois lados, tanto por parte dos
manifestantes quanto da polícia, e não vemos estratégias de diálogo,
apenas métodos punitivos. Os ânimos estão inflamados e, quando chegar a
Copa, estaremos há um ano esquentando esse clima nas ruas. Os riscos de
um fato trágico são altos, e é isso que preocupa", afirmou.
Dos
R$ 189,1 bilhões previstos no Orçamento 2014 do Estado de São Paulo, R$
17,8 bilhões são destinados à Secretaria da Segurança Pública --para
efeito de comparação, R$ 18,8 bilhões vão para a Saúde e R$ 27 bilhões
para a Educação. Dentro do montante para segurança, a previsão é gastar
R$ 381,8 milhões com reaparelhamento da polícia, que inclui a aquisição
de veículos, armas, munições e equipamentos de proteção individual e de
informática.