Desde que começaram as discussões sobre a PEC das domésticas surgiram muita polêmica, dúvidas e incertezas tanto por parte da categoria, uma das últimas a usufruir plenamente dos benefícios da maioria dos trabalhadores do país, quanto por parte dos empregadores, que já vêm amargando no bolso o peso da despesa que só cresce.
A novidade que está para entrar em vigor corrige distorções históricas dos direitos desses profissionais, mas já gera muita preocupação em relação ao futuro dessa categoria. Afinal de contas, é justo tratar uma família como se fosse uma empresa? E mais, a classe média, maior geradora de postos para empregados domésticos, vai conseguir suportar tantas obrigações financeiras, como FGTS, auxílio-família, seguro contra acidentes, entre outros?
Em entrevistas ao TNH1, a advogada Rachel Ramalho, tirou as principais dúvidas em relação à PEC, como o que entra em vigor de imediato, que direitos ainda devem precisar de regulamentação e como medir e controlar em casa coisas que só existem nas empresas, como hora-extra e horários de intervalo.
De imediato, caso aprovada na semana que vem e sendo promulgada, o que muda para o empregador?
Primeiro é bom salientar que muito dos direitos previstos na PEC ainda carecem de regulamentação. Há uma discussão entre os juristas do que começa a valer imediatamente ou o que ainda precisa dessa regulamentação. As primeiras mudanças são relativas à jornada de trabalho, com reflexo automático na implantação de hora extra e adicional noturno. Na minha opinião, esses direitos podem valer de imediato usando como referência o que é regulamentado pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
O que ainda levará mais tempo para virar regra?
Direitos como a obrigatoriedade do recolhimento do FGTS, o seguro-desemprego, salário-família, seguro contra acidente de trabalho e auxílio creche, entre outros, ainda devem sofrer regulamentação posterior. Prestando atenção para o fato, como disse anteriormente, de que ainda há uma discussão do que deve entrar em vigor automaticamente ou não.
O empregador terá mesmo que pagar seguro contra acidentes, auxílio-creche e salário-família? Em que casos esses direitos se aplicam?
Sim, quando esses direitos forem regulamentados devem ser cumpridos pelo empregador. O seguro acidente atualmente varia de 1% a 3% do valor do salário de acordo com o risco, mas precisa ser regulamentado para os empregados domésticos. No caso do auxílio creche o beneficio deverá ser concedido a toda empregada mãe, como este é um direto que ainda carece de regulamentação fatores como quanto deve-se receber por filho e até que idade deverá ser definido em lei posterior. O mesmo acontece com o salário família. Atualmente, o trabalhador que ganha o salário mínimo recebe R$ 23,36 por filho até 14 anos incompletos ou inválido.
O que o empregador pode descontar do salário da empregada? Refeição, produtos de higiene pessoal podem?
Os únicos descontos permitidos por lei são: vale transporte (até 6% do valor do salário) e INSS ( 8% do valor do salário).
Como fazer para controlar a jornada de trabalho e não ter problemas com a Justiça depois? A empregada tem que anotar todos os dias a hora que entra e a hora que sai?
A empregada não precisa anotar seus horários de entrada e saída, nem ter cartão de ponto ou algo semelhante. O esperado é que exista uma regulamentação de como será feito este controle. Acredito que este controle da jornada de trabalho é uma das maiores polemicas desta PEC, já que inexistindo o cartão de ponto e testemunhas em ambiente família, levando-se em consideração que o artigo 5º, incisos X e XI da Constituição Federal protege a intimidade e a vida privada, tratando a casa como asilo inviolável do indivíduo, esta não fica sujeita a fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE ).
Quais as regras para ser considerada diarista? Em que casos, há o vínculo?
Há o vinculo empregatício quando a empregada doméstica trabalha três ou mais dias por semana para o mesmo empregador doméstico.
Como controlar a jornada de trabalho quando a empregada mora na casa da família?
Esse controle fica difícil já que o lar é inviolável. Acredito, inclusive, que a questão mais delicada esteja nos casos em que as empregadas durmam no trabalho, este fato dificultará ainda mais o controle da jornada. Tomemos o exemplo das babás que, em algumas casas dormem no quarto das crianças. O simples fato de ela “estar à disposição” caso a criança acorde, pode fazer esse período ser computado como jornada de trabalho, lembrando que a CLT prevê um intervalo de 11h de descanso entre uma jornada de trabalho e outra.
Qual a sua visão dessa ampliação dos direitos - não acha que o governo está tratando famílias, pessoas físicas, como empresas?
Como muitos itens previstos na PEC ainda carecem, e deverão ser, regulamentados, espera-se que haja uma diferenciação no tratamento de empresas e empregador doméstico. Existe outra PEC, por exemplo, que prevê a redução do recolhimento do INSS para empregador doméstico de 12% para 4%. Essa redução de alíquota possibilitaria que fosse feito o recolhimento do FGTS pelo patrão sem onerar tanto para o seu bolso, existindo uma espécie de compensação.
Acredita que isso vai gerar desemprego, principalmente aqui no Nordeste onde a mão de obra é extremamente desqualificada?
Não acredito que aconteça demissão em massa. Mas é sim possível que isso gere uma pequena onda de demissões imediatas, ocorridas pelo susto causado pelas novidades trazidas pela PEC, já que geram um impacto financeiro em torno de 10% no orçamento do empregador doméstico. Atualmente, em casos onde a empregada recebe um salário mínimo, os custos que giram em torno de R$ 832,00 passarão a ser de R$ 915,00. Também acredito que continuará existindo um grande número de trabalhadores domésticos informais, podendo haver um aumento desta informalidade. Para se ter uma ideia 70% dos trabalhadores domésticos brasileiros são informais. É o que aponta o estudo pela Organização Internacional do Trabalho (OIT).